QGIS e Cartografia de Perigosidade e Risco de Incêndio Florestal em Portugal Todos os anos, centenas de incêndios consomem vastas áreas de floresta e mato em Portugal, traduzindo-se esta realidade em enormes perdas económicas, sociais e ambientais. Para fazer face a este risco, o governo português, através da Autoridade Florestal Nacional (AFN), decidiu criar gabinetes técnicos nas autarquias locais com a finalidade de, entre outras atribuições, elaborar Planos Municipais de Defesa da Floresta Contra Incêndios e Planos Operacionais Municipais. A AFN desenvolveu uma metodologia para calcular e cartografar a perigosidade e o risco de incêndio florestal, que permite identificar as áreas mais susceptíveis ao fenómeno e as áreas com maior potencial de perda, e criou guias técnicos para apoiar na elaboração dos planos municipais. Para além disso, disponibilizou um tutorial em vídeo, onde apresenta essa metodologia, utilizando software proprietário. Contudo, os custos de aquisição e licenciamento desse software são incomportáveis para a maioria das autarquias de pequena dimensão. Assim, decidiu criar-se e disponibilizar-se um guia com uma metodologia para a produção de cartografia de Perigosidade e Risco de Incêndio Florestal com recurso, em exclusivo, a software livre e de código aberto [1], nomeadamente: QGIS, GRASS GIS, gvSIG e bibliotecas GDAL/OGR. O guia descreve todas as tarefas de geoprocessamento necessárias à elaboração do Plano Operacional Municipal, segundo a metodologia da AFN. Grande parte das tarefas foram levadas a efeito com o QGIS, tendo-se utilizado o GRASS para as rotinas de análise espacial no modelo raster. O gvSIG foi utilizado essencialmente para o cálculo de tempos de deslocação e análise de redes, por intermédio da sua extensão Network Analysis, e as bibliotecas GDAL/OGR permitiram fazer transformações entre diversos sistemas de referência. Após um vasto conjunto de testes à metodologia, e de três anos de aplicação real à elaboração do Plano Operacional Municipal do concelho de Pinhel, pode dizer-se que as alternativas propostas permitem substituir, com muitas vantagens, os softwares proprietários que geralmente são utilizados para essa tarefa. A validação dos resultados tem permitido concluir que, apesar da relativa simplicidade do modelo conceptual, a metodologia possui uma capacidade preditiva bastante boa, e que a sua implementação em software Open Source não interfere de forma negativa com os resultados obtidos, bem pelo contrário. Numa segunda fase, procurou agilizar-se este processo, através da sua automatização, com recurso a modelos que estabelecem um fluxo de trabalho e que executam um vasto conjunto de tarefas, praticamente sem necessidade de intervenção humana. Esta segunda fase consistiu, essencialmente, na automatização de todo o processo descrito no guia prático que resultou da primeira fase. Esta automatização poderá significar a redução de várias horas de intenso trabalho por parte do técnico que pretende elaborar anualmente o Plano Operacional Municipal, para apenas alguns minutos, nos quais a intervenção humana se resume à selecção dos dados de entrada e à indicação do local onde se pretendem guardar os dados de saída. Para a prossecução desta segunda fase, recorreu-se à versão Python do software Sextante, que funciona integrado no QGIS e que agrega um vasto conjunto de aplicações independentes (GRASS GIS, SAGA GIS, OTB, R, GDAL/OGR, Pymorph, LASTools, scrips Python, etc.) numa interface única, constituindo uma enorme "caixa de ferramentas" de geoprocessamento para o QGIS. Para além da integração dessas aplicações no QGIS, o Sextante tem uma ferramenta que permite criar modelos, tirando partido dos módulos disponibilizados por quaisquer daqueles softwares que agrega. Assim, criou-se um modelo que permite automatizar o processo de produção de cartografia de Perigosidade e Risco de Incêndio Florestal, utilizando ferramentas do GRASS, SAGA, fTools e MMQGIS. Os resultados conseguidos até ao momento são bastante promissores, na medida em que já se consegue chegar, de forma automática, à criação das cartas finais de Perigosidade e Risco [2]. Tendo em conta que a versão Python do Sextante é ainda muito recente e se encontra em fase de desenvolvimento, exitem alguns problemas que necessitam de ser corrigidos para que os modelos sejam concluídos, o que certamente acontecerá muito em breve, dada a vitalidade do projecto Sextante. Como trabalho futuro, pretende aplicar-se, também de forma automática, a respectiva simbologia aos resultados, bem como disponibilizar os layouts finais no Composer do QGIS, prontos para exportação e/ou impressão. Após a conclusão desta segunda fase e da realização de um conjunto suficiente de testes que permitam validar os resultados obtidos, pretende disponibilizar-se o modelo de forma gratuita e aberta. Conclusões As alternativas estudadas revelaram-se de enorme qualidade, permitindo realizar todas as operações recomendadas nos Guias Técnicos da AFN, em muitos pontos, de forma até mais eficiente do que com softwares proprietários. Em termos de facilidade de utilização constatou-se, também, que este tipo de software não é, de forma nenhuma, mais complexo que o proprietário, exigindo apenas mais conhecimentos técnicos dos modelos e algoritmos implementados que, contudo, permitem um grau de liberdade muito superior, possibilitando explorar e afinar os modelos a cada situação em particular. O processo de produção de cartografia de Perigosidade e Risco de Incêndio Florestal com recurso, em exclusivo, a software Open Source está perfeitamente consolidado, após vários anos de testes e aplicação na elaboração do Plano Operacional Municipal de Pinhel. O facto do software Open Source se basear em standards e de suportar a maioria dos formatos de dados, permite uma completa interoperabilidade entre softwares, possibilitando optar pelo que mais convier ao utilizador em cada momento. Apesar da proposta apontar um conjunto específico de softwares, nada impede que sejam substituídos por quaisquer alternativas existentes no vasto leque de propostas de software de código aberto para Sistemas de Informação Geográfica. Contudo, o QGIS apresenta-se cada vez mais como a solução de código aberto para SIG mais completa, estável e fácil de usar, e cujo projecto é mais dinâmico, com uma rápida correção de erros e uma implementação quase diária de novos plugins que adicionam funcionalidades específicas para as mais diversas áreas de actuação. Pedro Venâncio, Licenciado em Geologia, Pós-graduado em Software Livre e Mestre em Sistemas de Informação Geográfica. Foi investigador no Centro de Geofísica da Universidade de Coimbra, no Laboratório Nacional de Engenharia Civil e é actualmente responsável pelo Serviço de Cartografia e Sistemas de Informação Geográfica do Município de Pinhel. Figura 1 - Mapas de Perigosidade e Risco de Incêndio Florestal do concelho de Pinhel, elaborados com software de código aberto. Figura 2 - Interface do modelo do Sextante para calcular a Probabilidade de Incêndio Florestal. Figura 3 - Parte do modelo desenvolvido para a automatização do processo de produção de cartografia de Perigosidade e Risco de Incêndio Florestal.